Cinco anos depois, EUA estão mais fracos e sós

SÉRGIO DÁVILA
da Folha de S.Paulo, em Washington

No dia 12 de setembro de 2001, acadêmicos, personalidades e experts de todas as nacionalidades, escolas e tendências arriscavam seus primeiros prognósticos. A "quente", tudo parecia mais definitivo: era o começo do século 21. Era o fim do Império Americano. O início da Guerra Oriente-Ocidente. A falência da aviação comercial como negócio. Houve mesmo quem decretasse, sem ironia, a morte da ironia.

Cinco anos depois, enquanto Hobsbawm aponta os limites do poderio norte-americano, outro historiador, o escocês Niall Ferguson, de Harvard, especialista na cronologia de impérios, detecta seus "freios". "Publicamente, os líderes norte-americanos negam que tenham um destino imperial. Mas os EUA são um império --jovem, com freios domésticos, mas império". Diferentemente do que ocorreu com impérios anteriores e mais longevos, porém, os "freios" definem o americano.
Déficit recorde

São três, segundo Ferguson: escassez de soldados, déficit orçamentário e déficit de atenção do público. No auge da insurgência no que viria a ser o moderno Iraque, nos anos 1920, havia um soldado britânico para 24 iraquianos; hoje, há um soldado norte-americano para 210 iraquianos.

Nestes cinco anos, o país gastou US$ 400 bilhões (ou meio PIB brasileiro) com a chamada "guerra ao terror", o que ajudou a levar o país ao maior déficit de sua história recente. E a opinião pública moderna tem uma "vida útil" de cerca de 18 meses: a mesma maioria que apoiava a intervenção no Iraque em abril de 2003 hoje acha a guerra um desastre.

Outra constante nas respostas: o ataque terrorista colocou a nu a política externa norte-americana, que vinha sendo gestada há pelo menos duas décadas e da qual o presidente George W. Bush se tornou apenas a face mais evidente. Para Neil MacFarlane, de Oxford, "a principal mudança é o enfraquecimento das leis internacionais sobre o uso da força".

"Desde que os EUA desenvolveram o conceito de defesa preventiva, a principal potência do mundo quer o direito de atacar quem quiser caso se sinta ameaçada", acredita. Ou, como define mais diplomaticamente Rubens Barbosa, que era embaixador do Brasil em Washington no dia 11 de Setembro, "no contexto externo, emerge uma nova agenda mundial, com conseqüências na área política, diplomática e também militar".

Joseph Nye, professor de relações internacionais da Universidade Harvard, vê no desequilíbrio dos EUA ao usar seus recursos a origem de seu enfraquecimento global. "Os EUA estão mais fracos porque colocaram ênfase demais no chamado "hard power" (poder militar) e reduziram sua atração em "soft power" (diplomacia e comércio)", diz Nye.

O enfraquecimento do país não resulta num fortalecimento de seus inimigos, por paradoxal que pareça. Vários analistas apontam a ação de 11 de Setembro como uma estratégia equivocada da Al Qaeda, grupo terrorista que seria quase dizimado nos anos seguintes pelas forças americanas, embora seu líder, Osama bin Laden, continue vivo, solto e atuante.

"Mas a Al Qaeda se beneficiou ao fazer o mundo perceber a agressividade da política externa de Bush entre os muçulmanos, especialmente na Guerra do Iraque, mas também nas ações de Israel nos territórios palestinos e, mais recentemente, no Líbano", acredita Juan Cole, professor de história da Universidade de Michigan e criador do blog liberal Informed Comment. "Isso ajudou a recrutar uma nova geração de radicais."
Maior erro

A Guerra do Iraque. Se fossem instados a apontar um grande equívoco cometido pelos EUA nesse período, a invasão daquele país seria o vencedor inconteste. "É o fato histórico mais importante", decreta Melani McAlister, da Universidade Georgetown. "O Iraque é um fracasso público que encoraja os inimigos."

A intervenção no Iraque é significativa da "fraqueza" norte-americana, diz Maria Regina Soares de Lima, professora de relações internacionais da PUC do Rio. "Na sociedade de massas e da democratização, o custo da conquista estrangeira é muito alto, não bastam a força e a tecnologia militar."

Com a "guerra errada" (sendo a "guerra certa" a do Afeganistão, que derrubou o Taleban, que dava guarida à Al Qaeda), os EUA sacaram cedo demais o cheque de solidariedade global que conseguiram logo após o 11 de Setembro. "Você imagina alguém levando flores às embaixadas americanas em algum lugar do mundo hoje?", pergunta Mary Dudziak, organizadora do livro "September 11th in History - a Watershed Moment?" (11 de Setembro na história - um divisor de águas?).

Ou, como coloca David Simpson, autor de "9/11 - The Culture of Commemoration" (11/9, a cultura da comemoração), "os EUA destruíram a boa vontade do mundo ao usar o desastre como pretexto para invadir o Iraque. Os episódios de tortura apenas confirmam o fim do papel dos EUA como líder mundial baseado apenas na superioridade moral."

O tamanho do equívoco pode ser medido em números. Como resultado dos ataques daquele dia às torres gêmeas, perderam a vida 2.973 pessoas de 23 nacionalidades, brasileira inclusive. Até ontem, 2.659 soldados das Forças Armadas norte-americana haviam morrido em ação no Iraque. O número de mortos deve ser igualado até o fim do ano.

Leia a seguir opinião de alguns especialistas:
EUA perderm poder

Como resultado da maneira derrotista com que o governo americano reagiu aos atentados, o poder global dos EUA caiu vertiginosamente. Conseqüentemente, a geopolítica do sistema mundial foi alterada de forma permanente. O maior vencedor é o Irã, que emerge como um ator-chave no Oriente Médio. Um segundo vencedor tem sido a América Latina, que se beneficiou da distração dos EUA para se mover mais à esquerda

Immanuel Wallerstein, professor de relações internacionais da Universidade Yale

Ascensão de China e outras potências

O 11 de Setembro confirmou tendências anteriores. A principal foi a ascensão da China. Outra foi a inabilidade dos EUA de resolver a crise do Oriente Médio ou confirmar a liderança no que arrogantemente chama de "comunidade das democracias". A terceira foi a incapacidade da UE em se consolidar. A convergência das três deu espaço para o crescimento da China e pode ser o prelúdio à ascensão do Brasil como potência regional

Tony Smith, cientista político da Universidade Tufts, EU

Fortalecimento dos radicais

Se há ganhadores são os adeptos de governos teocráticos. Governos religiosos estão ganhando espaço no Oriente Médio, como comprovam o prestígio crescente do Irã e a vitória do Hamas nos territórios palestinos. A pior dimensão das mudanças pós-11 de Setembro é que as tendências à barbárie, tanto dos "terroristas" quanto de certos Estados, ocuparam o lugar de respostas racionais

Angelo Segrillo, historiador da Universidade Federal Fluminense

Aumenta a insegurança

A principal mudança é cultural. Antes, todos se sentiam seguros, agora há uma sensação de medo, que está crescendo na Europa. Em Londres, desde os ataques ao metrô [no ano passado], as pessoas olham de outro jeito para os sul-asiáticos, como se fossem uma ameaça. No plano mais amplo, houve um enfraquecimento das leis internacionais sobre o uso da força

Neil Macfarlane, chefe do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Oxford

Gilberto Dupas, Coordenador-geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP
Agenda comercial dá lugar à de segurança

O 11 de Setembro contribuiu decisivamente para deslocar a agenda internacional do campo da economia global para o da segurança. De certa forma, o livro "O Fim da História", de Francis Fukuyama, que dava um tom otimista ao mundo pós-Guerra Fria, foi substituído pelo "Choque de Civilizações", de Samuel Huntington, que consagra a desconfiança e a confrontação

Paulo Vizentini, professor de relações internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
O desencanto com os EUA

O mundo perdeu a confiança nos EUA. Quando a Guerra Fria terminou, os EUA se viram como a única superpotência. A percepção era que podia-se contar com uma ação responsável dos EUA, que levasse em consideração os interesses de terceiros. Após o 11 de Setembro o governo Bush desprezou as preocupações com aliados. Promulgou uma doutrina de guerra preventiva que criou caos, não ordem

Andrew J. Bacevich, professor de relações internacionais da Universidade de Boston
Intervencionismo americano se amplia

Os EUA se adaptaram mal às mudanças globais e tenderam a usar a força contra novas ameaças. Tais opções lembram métodos apropriados aos desafios pré-Guerra Fria. Isso deriva da crença de que Estados democráticos são os guardiães da segurança. Os EUA se concentrarem no Estado democrático como produto final desejado, mas foram incapazes de lidar com ameaças não-estatais


Postado por: ByLorenzo                                            Fonte: Folha.com

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